sábado, 17 de janeiro de 2009

de Cadeia a Prefeitura

Paraibuna
por Célio de Abreu

A Cadeia Velha

O emblemático prédio da Cadeia Velha tinha sua porta principal voltada para o Mercado Municipal com formato de um típico casarão de fazenda senhorial de dois pavimentos, cobertura de quatro águas, paredes de taipa e divisórias de pau-a-pique e desta vez celas enchaveadas no lugar das senzalas, muitas características no século XIX.

A praticidade em se colocar no mesmo prédio o Poder Legislativo, o poder judiciário e as celas para o cumprimento de penas é sem dúvida tradição que remonta o período medievo- português e em Paraibuna não foi diferente.

Após ter seu território desmembrado de Jacareí em 1832, a freguesia de Santo Antônio do Parahybuna passou a ter o direito de construir, além do pelourinho, sua própria cadeia e votar em seus próprios vereadores, sendo assim, tais edifícios ficaram popularmente conhecidos como prédios de Câmara e Cadeia.

Ressaltamos que de início, a ainda pequena Vila, não tinha sede para as sessões do legislativo e comumente se alugavam salas para tanto.

O poder judiciário já se fazia presente e, logo em seguida, encurtando ainda mais os julgamentos no caso de negros fugidos, ladrões, ou mesmo estranhos sem morada certa, o suspeito era preso por ordem do legislativo, o judiciário julgava e caso condenado, o réu já descia para o andar térreo para cumprir a pena.

Em caso de crimes hediondos o acusado era conduzido a enxovia, outra tradição luso-medieval, que imputava ao condenado uma cela sem janela, sem iluminação, úmida e desprovida de qualquer tipo de latrina.

O mau tratamento dispensado a estes presos por parte das sentinelas e seus superiores e o sofrimento decorrente dos inúmeros miasmas contraídos nestas enxovias, era assunto sabido por todos e as mortes nestas celas estavam sempre presentes na memória das crianças e jovens da cidade.

Uma energia pesada já começa ser formada, certamente com sofrimento dos escravos que labutavam para levantar o gigantesco taipal volta de 1840 e foram transcritos numa poesia de 1923 de um antigo morador local:

“...e em derredor da praça, o Casarão / que o negro suarento edificou / lembrança cruel da raça perseguida / que irrigou com seu suor o barro da taipa batida...”

Estes cativos que levantaram o prédio, não raramente com chicote de couro cortando as costas, ergueram as celas para que a justiça ordenasse a prisão deles próprios, como encontramos em outro antigo documento do poder judiciário de Paraibuna:

“ ...Augusto Ferreira Braga (...) affirma lhe pertencer o escravo de nome Jorge que se acha preso nesta cadêa ( ...) requer seu mandato de soltura...”

O mesmo sofrimento e as mesmas mortes vistas nas prisões da Europa, também se viu por aqui, alimentando o repertório das lendas e “causos” locais.

E ainda a poesia:

“Sobre a cadeia o Tribunal / casarão de terra socada / de masmorras medievais / guardam histórias nunca reveladas/ Ao lado, as figueiras, que gozavam de má fama, de assombradas / e nas horas mortas quem se aventurasse a cruzar a velha praça / escutava o gemer fúnebre das almas penadas”.

As salas e celas deste antigo prédio teriam servido aos mais diversos fins após a transferência dos presos para a cadeia nova em 1906 numa pequena elevação pouco mais de quinhentos metros desta.

O ex-prefeito José Ozias Calazans de Araújo teria sido o último a ocupar o prédio como sede do Executivo entre 1961- 1965, em 1943 Isidro Domingues da Silva o teria utilizado como tipografia do Jornal “O Parahybunense”, o Grupo de Escoteiros teve lá seu Quartel na década de 20.

O ex-prefeito Jayme Domingues o teria utilizado como oficina mecânica, almoxarifado e depósito de materiais do setor de obras, o Batalhão Parahybuna teve ali sua sede durante a revolução de 1932, o Major José de Oliveira Santana ocupou a sala do Judiciário e sua sala de júri serviu as mais diversas solenidades.

A Cadeia Nova

A cadeia nova, concluída cinqüenta anos depois, em 1906, trazia em seu corpo inovações práticas e decorativas com relação ao sistema de cárcere.

Guardas uniformizados, grades de ferro ao invés de grades de madeira, estrutura de tijolos cozidos com cunhais imitando blocos de pedra e não paredes de taipa, flecheiras guarnecendo o topo do prédio, muros altos ao redor com uma só entrada e saída, portão de ferro de forma a retratar uma fortaleza sólida, austera e intransponível.

O novo prédio desvinculou-se do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, criando-se novas incumbências com relação à reclusão e o engenheiro (Euclides da Cunha ?) procurando uma nova plástica para seu desenho, retratando as mesmas formas das cadeias de Mogi das Cruzes, Jacareí, Silveiras e Ilha Bela.

Seu interior estava dividido da seguinte forma: no andar superior, a sala do corpo da guarda, sala do comando, da administração e os dormitórios das sentinelas.

No piso térreo um extenso corredor com as celas dos dois lados para homens e provavelmente apenas uma para mulheres e as enxovias com piso de pedras.

O andar superior provavelmente era servido por candeeiros e lampiões a óleo de mamona, pois a iluminação elétrica só viria sete anos depois, em 1913.

Um sino do lado esquerdo do prédio no andar superior servia, conforme o toque, para comunicar aos presentes qualquer anormalidade que porventura ocorresse, tais como incêndio, troca de guarda, fuga de prisioneiros etc..

O corredor das celas nos faz lembrar o prédio da Câmara e Cadeia da cidade de Ouro Preto, onde, de gargalheira de ferro ao pescoço em 1798, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier foi preso, julgado e condenado, no local onde hoje se encontra um dos museus mais expressivos do Brasil, o Museu da Inconfidência.

Estas são, em resumidas palavras o histórico desta localidade que presenciou em pouco mais de cem anos, uma complexa relação entre os membros da classe dominante, que criavam e executavam as penas e os menos afortunados da sociedade, lavradores, empregados do comércio, caipiras e agregados.

Foto: Nelson Wisnik

. Paraibuna

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